slide

Carta aberta às alunas e aos alunos de Letras


Caras alunas e caros alunos,


Diante da pandemia causada pelo novo coronavírus e do visível e exponencial aumento do número de infectados na cidade de São Paulo, nós, docentes da área de Filologia e Língua Portuguesa (graduação e pós-graduação), apresentamos nossa posição em relação à atual situação.
 

A fim de preservar a saúde de seus alunos, a Universidade de São Paulo atendeu à recomendação estadual e suspendeu as aulas e muitas atividades presenciais. Sob o slogan “A USP não vai parar” (cf. Jornal da USP, 17/03/2020), a Reitoria solicita aos docentes responsáveis por disciplinas que “proporcionem atividades extra-classe, que podem ser desde estudos dirigidos até o uso de ferramentas modernas de EaD”. Pede também que, durante o período de suspensão, essas atividades sejam computadas na frequência dos estudantes, valendo créditos para eles e para os docentes, a fim de que o período de reposição possa ser curto. A Reitoria enfatiza que “logicamente, a qualidade é um atributo indiscutível para essas atividades”.
 

Reduzindo a pandemia a um momento de “grande comoção social”, a Reitoria torna mais importante do que tudo a continuidade de uma das atividades-fim da universidade, que é o ensino. Esquece-se, no entanto, do fato de ser uma universidade pública e gratuita, que se moveu apenas muito recentemente em direção às políticas de ações afirmativas. O curso de Letras é, por exemplo, aquele que mais recebe alunos cotistas. Sabemos, portanto, que a Internet wi-fi de alta qualidade, capaz de garantir 'streaming' de vídeos, não é uma realidade para muitos de vocês.
 

Por isso, vemos com bastante preocupação essas diretrizes dos dirigentes da universidade, por meio das quais nos orientam a seguir trabalhando à distância, para que os cursos sejam mantidos e que o semestre não seja perdido a nenhum custo. Não se consideram as novas condições cotidianas e psíquicas de muitos de nós, professores e alunos: pessoas doentes, outras que estão ou deverão estar em breve cuidando de parentes, sem contar aqueles que passaram a ter uma nova rotina de cuidar de filhos, de pais e mães idosos, de avós. Ignora-se, portanto, a nova organização de nossas vidas, imposta pelas recomendações de isolamento social, e a necessidade premente de cuidados psíquicos do outro e de si mesmo. Vivemos um regime de exceção como jamais visto.
 

Há, por parte da Reitoria, preocupação excessiva e imediata com a manutenção das disciplinas. Já nós, docentes de um curso de Humanidades, estamos preocupados com o amparo: respeitar os limites impostos a todos pela pandemia e contribuir para o estabelecimento de uma nova rotina que não a rotina de aulas transformadas, repentinamente e sem nenhuma formação rigorosa, em cursos à distância.
 

Nessa nova rotina, professores deveriam, estimulados pela Reitoria,  disseminar, entre vocês, informações sérias sobre a pandemia, orientações sobre como lidar com a sua saúde física e mental, como forma de fortalecê-los, já que sabemos que estão abalados como todos nós.
 

Seria o momento ideal de discutirmos questões de ensino e pesquisa importantíssimas que emergem dessa situação delicada. Por exemplo: como os menos escolarizados estão sendo informados sobre as estratégias de cuidado e prevenção? Como podemos criar uma rede de apoio a essas pessoas que sofrem mais por estarem menos habituadas ao universo da escrita? Quais estratégias de autocuidado e cuidado do outro podemos estimular estando distantes?
 

As disciplinas ministradas pela área de Filologia e Língua Portuguesa, que abrangem TODOS os alunos do curso de Letras, são disciplinas presenciais, que exigem interação professor-aluno. Dessa forma, não estamos habituados a oferecer cursos à distância. Estamos acostumados a propor algumas atividades on-line, tais como orientações de estudo, envio de atividades, recebimento de trabalhos, mas não ministramos na graduação disciplinas de longa duração à distância. O EaD é um outro formato de curso, que exige, inclusive, uma técnica e uma metodologia diferenciadas. Cabe lembrar, inclusive, que o ensino à distância é uma área de pesquisa.
 

Alunas e alunos, acreditamos ser fundamental acompanhá-los em suas atividades de estudo por meio de ferramentas virtuais, mas não queremos forçá-los a uma participação obrigatória. Vocês não se matricularam em um curso EaD. Portanto, essas atividades à distância não podem configurar, a nosso ver, aulas, cujas “presenças” serão computadas. Acreditamos que as atividades pedagógicas presenciais e em tempo real são fundamentais para a formação do aluno de Letras da Universidade de São Paulo, instituição de excelência, voltada para o ensino e a pesquisa de qualidade.
 

Por outro lado, achamos essencial manter o vínculo que vínhamos desenvolvendo ao longo dos pouquíssimos encontros presenciais que tivemos. Por isso, nos dispomos a nos comunicar com vocês, conversar sobre estratégias de estímulo ao desenvolvimento de atividades intelectuais, que consideramos centrais e uma das únicas que pode ser desenvolvida nesse contexto de isolamento. A atividade intelectual não requer espaço livre nem aberto, muito menos um laboratório físico, no nosso caso. O laboratório das Humanidades é a sala de aula, são os corredores da Faculdade, os variados discursos que nos chegam diariamente sobre a pandemia. Portanto, queremos e devemos falar sobre isso e orientar reflexões nesse sentido.
 

Ao fim desta crise, esperaremos da Reitoria um novo calendário para que possamos ministrar de forma presencial as aulas suspensas, cumprindo o conteúdo programado para cada uma de nossas disciplinas e mantendo a qualidade de ensino que se espera de nossa Universidade.
 

São Paulo, 22 de março de 2020
 
Docentes da área de Língua Portuguesa do curso de Letras e do Programa de Pós-graduação em Filologia e Língua Portuguesa:
 

Ana Rosa Ferreira Dias

Beatriz Daruj Gil

Elis de Almeida Cardoso Caretta

Flaviane Romani Fernandes Svartman

Gabriel Antunes de Araujo

Ieda Maria Alves

Lineide do Lago Salvador Mosca

Luiz Antonio da Silva

Manoel Luiz Gonçalves Corrêa

Manoel Mourivaldo Santiago Almeida

Marcelo Módolo

Márcia Santos Duarte de Oliveira

Maria Aparecida Correa Ribeiro Torres Morais

Maria Célia Pereira Lima Hernandes

Maria Clara Paixão de Sousa

Maria Helena da Nóbrega

Maria Inês Batista Campos

Maria Lucia da Cunha Victório de Oliveira Andrade

Mariângela de Araújo

Marilza de Oliveira

Mário Eduardo Viaro

Marli Quadros Leite

Patrícia de Jesus Carvalhinhos

Paulo Roberto Gonçalves Segundo

Phablo Roberto Marchis Fachin

Rosane de Sá Amado

Sheila Vieira de Camargo Grillo

Sílvio de Almeida Toledo Neto

Valdir Heitor Barzotto

Valéria Gil Condé

Vanessa Martins do Monte

Verena Kewitz

Waldemar Ferreira Netto

Zilda Gaspar Oliveira de Aquino

 

última atualização: 23/03/2020, 14:29

Tags